Artista, curador e poeta, Adolfo Caboclo traz a irreverência e a profundidade de seus versos inéditos para a coluna luso-brasileira da Geração de 20. Confira!

A coluna Poema-Ponte, espaço de encontro e travessia entre as poesias de Brasil e Portugal, apresenta nesta edição a obra de Adolfo Caboclo. Nascido em São Paulo em 1986, Caboclo é artista, curador e poeta. Atualmente, está cursando o doutorado no Colégio das Artes da Universidade de Coimbra e atua como pintor residente no Ateliê Fábrica. Sua trajetória inclui a curadoria de diversos projetos expositivos, a criação do Sarau das Flores e da Revista Baleia, bem como a participação no coletivo Pescada nº 5.
Poema-Ponte: três poemas de Adolfo Caboclo:
Sete lares
Decidi ser pirata,
navego com a maré
– nu ou com a gravata –
e bebo rum de café.
Crânio no estandarte,
me expresso sem pudor.
Não falo mais de arte
e nem quero ser doutor.
Acabaram meus versos,
rasguei todo caderno,
não me sinto perverso
e um tanto fraterno.
Uso bota de couro,
namoro na areia,
vou atrás de tesouro
e fujo da sereia.
No cinza ou na mata,
só quero o profundo.
Decidi ser pirata,
o mais livre do mundo!
Ladeira
Ela sobe toda a ladeira,
com o caos, bem ali nas costas.
E se sente bem pouco certeira,
divaga pensando em apostas.
Mas morre, de alguma maneira,
enquanto não sabe o que gosta.
Descansa, lá naquela cadeira,
daquele banquete: indisposta.
Esbarra no mito que foi dito,
nisso entende que errou a mão.
Feriu com navalha em conflito.
Perdeu-se banhada na ilusão
luziu vela torta, lá no rito
Enquanto subia, escorregão.
Poema do coração cansado
E se eu não aguentar a distância?
E bater o pé no chão,
como era na infância.
Ou me amargurar como um velhote,
incomodado com mosquito, na fila do pão.
Ser um camisola nove sem rebote;
Um pugilista nas cordas, crucificado;
Um motorista na noite, embriagado;
Um carpinteiro sem martelo e serrote.
E se eu morrer mesmo de amor?
Minha família vai chorar
e se quer teria doutor
pra tentar me ressuscitar.
Os meus quadros vão guardar
e eu nunca mais vou te encontrar.
E se o meu coração exausto parar?
Iria ser uma história de cinema,
em que você não conhecerá Ipanema.
Até mesmo o bom Pai parará de dançar.
Vai colocar a mão no bolso.
A revista Baleia teria a edição "Caboclo".
Com o coração desligado,
meu corpo sem vida e malandragem,
cairá aos pés de Nossa Senhora da Boa Viagem.
Meu primo ficará com minha guitarra.
O Manoel com o cavalete;
Dona Célia com o cacto;
Jaqueline com a biblioteca.
Se o meu peito parar de bater,
mesmo que seja por alguns minutos,
nunca teremos nossos miúdos!
E apesar de voar para alguma constelação,
eu só queria morar no infinito desse seu coração.
(Todos os poemas são inéditos)
A Poema-Ponte é uma coluna quinzenal dedicada à poesia luso-brasileira, com curadoria do poeta português Pedro Albuquerque e edição do poeta brasileiro Dee Mercês. A cada edição, a coluna apresenta poetas emergentes ou com trajetórias mais consolidadas de ambos os países, fortalecendo o intercâmbio literário.