Machado de Jesus (1996) é poeta, cronista e contista nascido em Santo Amaro da Purificação–BA. Autor de dois livros, graduando em Letras - Português pela UEFS, reside na Comunidade de Chapada, em Santa Bárbara–BA e dedica-se à pesquisa "Os Racionais MC's: uma perspectiva de reconfiguração da identidade negra e um letramento étnico-racial". Torcedor apaixonado do Santos FC, expressa em sua obra literária a vivência e a perspectiva de um homem negro e evangélico no Brasil.
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Coluna inaugural: Machado de Jesus e a poesia contra a violência racial
"MÃO NA CABEÇA": MEU PERFIL É ANÁLOGO AO PERFILAMENTO RACIAL?
O lixo vai falar o óbvio, e de boa!
“Eu tenho um sonho. O sonho de ver meus filhos julgados por sua personalidade,
não pela cor de sua pele.”
Dos filhos deste solo és mãe gentil,
a Pátria é Genocida...
Aqui no Brasil está barril dobrado disso acontecer, pastor King.
Sua bênção apostólica.
… eu ainda ando no vale da sombra da morte. Mas não temo nada,
porque não ando só...
Muhammad Ali, quem tá comigo não foge ao ringue.
Enquanto a cor da pele for menos importante que a narrativa do racista,
haverá perfilamento racial, Haile Selassie!!!
13 de maio não chegou até aqui, Isabel!
Na minha quebrada eu tenho a cara de painho.
Na rua, a cara da viatura.
Sou revistado, a única droga que carrego é meu caráter.
Nunca estampei minha cara numa revista. Veja?!
O policial fala no meu ouvido em espanhol:
— Oye, negro, ¿estás bien?
(Quando dá, eles perguntam)
Queria bailar/gingar como o Vini Jr.
Mas não posso nem hablar!!!
Se até pra sonhar tem trave, Pelé?!
Meu amigo negão estava com um beque,
e seu parceiro branco estava com um quilo da massa.
Só meu amigo que foi para o presídio,
está numa sala lotada,
desprovido de direitos e liberdade.
Mas o negão só traficava poesias.
Não queira pechinchar minha arte, porque no seu mercado branco,
eu não compro se faltar um centavo.
Poxa! Queria comprar uma camisa do Santos FC 2012 – branca,
mas o segurança do shopping me vigia.
É aquela ideia que "existe pele alvo e pele alva".
Semana passada nem pude ir ao enterro do Mauro,
os homens já estavam lá de tocaia.
"Mão na cabeça": quando foi criado o racismo, sinhá?
"Gerô-cida", bahéa.
… além de eu ser um Negro Drama, sou também um Negro Eloquente
Nato, Lombroso:
Penso, existo, escrevo, logo sou poeta na minha quebrada, Platão.
Tô descartando ideias racistas, irmão.
Estou tentando ser um ponto fora da curva como o Abebe Bikila,
mas com os pés no chão.
Eu entro no restaurante de blazer e não sou revistado.
Se estou a caminhar na minha rua sem camisa, com meu dialeto, tatuado,
kenner, boné ou cabelo pintado e bermuda,
sou abordado pela polícia. Por quê?!
(Quase sempre por PM preto, maior onda!)
E sem falar nas abordagens dos olhares do povo.
Com o reconhecimento facial,
fica mais fácil para os homens me verem. Na moral!
Sua câmera contida na farda, só grava o que eles querem, moço.
— O racismo veio de noíz mesmo, pretinho.
— Será?
O espetáculo do racismo;
a ceia que a branquitude ama degustar.
Se eu der mole na rua, levo oitenta tiros. E eles ainda pisam no meu pescoço.
Me sinto inseguro de sair no bairro.
Peço um táxi, para um camburão.
Quem criou as drogas, as armas, quem as levou para a favela? Só não foi noíz!
Eles continuam fechando escolas e construindo cadeias, Lucky Dube.
— Pegou o documento, filho?
Não temos nenhum valor, não somos ninguém.
Não saía com essa roupa, você é doido?!
A gente combinamos de não morrer, lembra?!
— Pô! Mainha, Bob já nos dizia: liberte-se dessa escravidão mental.
Pra que esse enquadro?! Não vou responder por um crime que não cometi.
Já provei que sou do bem.
Por que EU?
Quais são os critérios que o senhor usa para me abordar?
Sou corpo-território vivendo sobre uns versos.
Gostaria de falar da branquitude também.
Mais alguém?
Vidas negras ainda importam?
Na entrevista de emprego não passo.
No jornal local minha cor rouba a cena. (Sensacionalista)
No futebol sou chamado de macaco.
Na universidade pública o preto não está no seu devido lugar.
No CAPS, minha cor escureceu tudo.
Sou influenciador digital, mas não sou patrocinado.
Não existe capitalismo sem racismo, Malcolm X.
Democracia racial é uma zorra, Gilberto Freyre!
O que fizemos ao senhor capitão
além de nascer com essa cor?
E de sorrir lindamente diante
de nossa amiga dor?
O que eu preciso fazer pra deixar claro para vocês que eu sou escuro?!
Se minha cor te incomoda,
lá no quilombo estou na moda.
Existem os direitos humanos,
mas os homens também têm suas leis. (Que malandragem!)
Pai faz, mãe cria e o Estado mata!
Nem todas as crianças vingam, promotor. Pega a visão!
Meritocracia? No filtro que passei não existe isso não!
Existe dois país no Brasil, e eu tento viver em um deles. (Sem concordância).
Só para você ter uma ideia: eu tive que ser 10 vezes melhor para estar na universidade...
Divido a sala com um cara branco que nunca bateu um prego numa barra de sabão. Reparem!!!
Minha cor é suspeita de erguer o Brasil, de resolver o seu problema há 500 anos.
Minha cor é suspeita de estar armada de cultura, ciência, arte, etc.
Só não é pega no lugar certo e na hora certa.
Sou filho de pretos e quero respeito, quem mora no gueto não é ladrão.
A vida é loka, nêgo, mas nela não só estou de passagem.
Óia, malandragem
De verdade, é fazer esse giro decolonial!
Eles não esperam nada de mim, hein?!
Por isso é preciso tirar a roupa do rei.
Negro Dr. Ama-se!
Daria um filme: o negro viver sem polícia, sem drogas, sem favela
e sem racismo estrutural.
Enfim,
eu tenho um sonho:
que se realize o sonho de Martin Luther King!
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Poesia, chama-me é uma coluna mensal que ecoa a voz pulsante da poesia baiana contemporânea. Mergulhe em versos que transcendem o óbvio e revelam a alma do nosso tempo, com curadoria do poeta Machado de Jesus e edição do poeta Dee Mercês.